"Garoto fulo, eu temia as represálias da Autoridade e, pior, não sabia como combatê-la. Dostoiévski respondeu. (...) O cerne revolucionário de Crime e castigo é que Raskolnikov racionaliza, e assim justifica, o assassinato de outra pessoa, em causa própria, pela capacidade maior que tem, teórica, de reorganizar a ordem das coisas, que ele destrói pelo ato consciente de um intelecto superior. Vale tudo, se você agüenta a parada, intelectualmente. (...) Na época, renasci da irritação impotente à subversão do que me impingiam. Bastava "apenas" pensar bem, em profundidade, que a prisão, que a cela se abriria...De 14 aos 27 anos li tudo que conseguia pegar, média de seis horas por dia, investimento que me rende até hoje. Colégio de manhã, almoço, leitura até à noite, quando voltava à normalidade moleque da idade. (...) A experiência me mudou opiniões mil, mas duvido que qualquer universidade me desse base semelhante".
[Paulo Francis; O afeto que se encerra, memórias, 1980].
4 comentários:
Eu fiz questão de ler Crime e castigo depois de assistir um documentário sobre a vida do Francis. Muito bom, carlos!
Marcão, e para tanto terá servido a existência do documentário no Brasil!
Ótimo, ótimo esse trecho transcrito !!! É sempre bacana lembrar que o amadurecimento, conhecimento, apuro intelectual mesmo, são obtidos pela leitura, como ela é fundamental na juventude, na formação ...
Livro não é só pra "estudo", e tem coisas que a escola e a universidade não ensinam, até mesmo porque não lhes cabe isso...
Pena que essa leitura alucinada mencionada no trecho só seja possível, penso eu, quando se é muito jovem, escritor ou bon vivant... Lia muito, muito mais "literatura" quando jovem e sem obrigações além de ir pra escola ... (O trabalho burocrata e os estudos técnicos roubam tempo precioso ! rs.)
Excetuando o caso dos escritores (porque esse é o seu trabalho, afinal), será que o ócio é o melhor amigo da leitura?
Ah, pergunta importante - há modo de conseguir esse documentário mencionado pelo Marcos?
Danfern, escritor hoje, eis a verdade, escreve muito mais do que lê. E não porque lhe falte tempo...
(Tempo se cria).
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