25.9.07

Sobre ser [ou não] sambista


Candeia [Antonio Candeia Filho] é a minha definição para sambista. (E haverá quem, com toda a propriedade do mundo, lembre de Paulo da Portela, Mestre Fuleiro, Ismael Silva, Ataulfo Alves, Geraldo Pereira, Marçal, Padeirinho, Neoci de Bonsucesso, Martinho, Luiz Carlos da Vila, Almir Guineto)... Não importa. Todos, humanos, uns mais falíveis qu´outros, todos viveram [e vivem] absolutamente confundidos com o samba, que criaram, tocaram, dançaram, cantaram, às vezes tudo ao mesmo tempo, tudo sempre muito bem. (Presente, futuro e memória). Tudo: sempre.

Escrevo isto a propósito de papo internético mantido nos comentários para a nota Que assim seja, publicada cá neste blogue a 18 de setembro, em qu´a leitora Olga [a Olímpica!] e o tribuneiro fundador Focca discutem a "sacralização" do samba e uma certa patrulha, inegável, definidora de quem seja ou não sambista, tendo como base o novo disco [muito bom] da Maria Rita, que se inicia com um samba dolente em qu´ela, d´alguma maneira, pede licença, respeitosa e reverentemente, para cantar o gênero. (Isto de qu´o Focca não gosta e que Olga e eu, mais do que talvez gostarmos, compreendemos).

Em determinado momento, com razão, o Focca se recorda de conversa que tivemos, anos atrás, sobre ser [ou não] sambista, na qual eu dizia não me considerar um [e não me considero ainda hoje, como não me considerarei quando, enfim, cantar pra subir], a despeito de só ouvir samba, de conhecer samba, de freqüentar o samba, d´admirar e mesmo idolatrar os sambistas - e d´experimentar a felicidade completa sempre que na quadra do Império Serrano...

Definitivamente: não é [não será] o bastante.

(E não me considero sambista, bem entendido, para muito além de não cantar, tocar ou sequer dançar o samba). (Tocasse cavaquinho como Mauro Diniz e não o seria). (Cantasse qual Roberto Ribeiro, qual Ciro Monteiro, qual Sereno - e não o seria). (Sambasse como Ubirany, como Pim - e não). (Compusesse como Paulinho da Viola - e nem assim). (Não me considero sambista simplesmente porque sei considerar quem o é).

Eu vinha de ler, então, artigo do grande Claudio Jorge - cantor de fino trato, compositor da Vila Isabel, parceiro de João Nogueira e Nei Lopes, outrora violão de Ismael Silva, hoje de Martinho -, em qu´ele, com este [resumido] currículo todo, comparando-se aos bambas com os quais convivera e convivia, apesar d´amar e viver no samba, escreveu que não era um sambista, que não se sentia um, essencialmente, que não vivia só do samba e não o tempo inteiro, qu´o samba não lhe era ar, que não esteve sempre ligado ao samba, que não nasceu no samba etc.. Eu achei aquilo tão bonito, tão honesto, tão humilde, tão severo... Tão verdadeiro. E isto porque, ao mesmo tempo, se considero Claudio Jorge um sambista, sim, entendo qu´ele não se considere.

Ser e se dizer sambista é coisa séria para quem conhece um. E para tanto sempre faltará... Quem já esteve numa roda de samba com Jovelina, com Zeca Pagodinho, com Wilson Moreira, com Dona Ivone, com Xangô da Mangueira, com Jair do Cavaquinho, quem já viu tocar Gordinho, Ovídeo, Wilson das Neves, Esguleba, Arlindo Cruz - quem já ouviu, sabe... Há um laguidibá invisível no pescoço do sambista - e laguidibá, o mistério, é colar de firmamento. (Não d´ornamento).

Ser sambista, este valor absoluto, esta presença incontornável, não comporta poréns, senões, parênteses. Não se tira - nem se quer - férias de. Não é moda. (Embora não faltem laguidibás, bem visíveis, nos pescoços por aí)... Não é capricho. Não é profissão. Não é prazer de final de semana. Não é carnaval uma vez por ano ou fora d´época. Não é de morro. Não é de preto. Não é de curimba. É definitivo, como o sangue. É corrente, como o rio. É o que fala mais alto - e não somente: é o que fala mais alto e se assume. Sou. É o que se segue. É brotado mais que nascido. É andar à vontade, mas numa pisada certa. É chegar chegado. É reverência mais que saudade. É referência. É guia. É quilombo de [para] si mesmo e é encontro de quilombolas - num sonho ou lá em Acari...

Quanto mais se vive o samba e, d´algum jeito, quanto mais se o compreende, mais modestamente se valoriza o próprio espaço, o privilégio de poder ouvi-lo, conhecê-lo - e mais profundamente se respeita o lugar dum Candeia.


[Claudio Jorge, à direira, ao lado de Luiz Carlos da Vila; e lá em cima, capa do Axé, de Candeia, o mais importante disco de samba].

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Leia a resenha tribuneira para o mais novo disco de Maria Rita - Samba meu - no glorioso e tradicional site da Casa.

25 comentários:

Anônimo disse...

O seu texto é auto-explicativo. Você é um sambista.

Me sinto pra lá de lisonjeada ao perceber que a minha compreensão, de leve, claro!, passa pela sua.

Ah, que beleza, além de escrever aquelas maravilhas, o menino Pim ainda por cima samba bem? Que maravilha!!!

Anônimo disse...

É a mais pura verdade Olga: o Pim, apesar de fazer mais nada como sambista, samba que é uma maravilha.

Anônimo disse...

A propósito, meu caro Andreazza, seu texto é - mais uma vez - excelente. Seria ótimo se você escrevesse ainda mais sobre samba!

C.A. disse...

J.P., o nosso Pim monumental, justiça seja feita, até que bate um pandeiro honesto... Mas, Olga, de fato, o cara samba um miudinho de se respeitar até lá no Cacique de Ramos... Fantástico!

Anônimo disse...

Andreazza, na próxima feijoada do Império você bem podia filmar esse samba miudinho e postar por aqui. Que tal? Acho que o Pim é contra divulgação de imagem, mas a gente se contenta só com os pezinhos. (rs)

C.A. disse...

Olga, eu prometo tentar. Acho que não será tão difícil assim. Ele, geralmente arredio, bebe e fica exibido... Ficarei atento.

Anônimo disse...

Oba!

Felipe Moura Brasil (Pim) disse...

Eu, geralmente arredio, piso no Império e fico logo exibido. Afinal, modéstia à parte, eu sou Mangueira...

Anônimo disse...

Achei o texto bonito. Bonito e reverente. Acho poética a reverência, respeitosa e gentil. Mas...enfim, vocês conhecem minha opinião. Não aceito que um gênero popular seja colocado num pedestal. Se não se tomar cuidado com isso, logo o samba de tornará tão inatingível, que teremos que pedir licença não só para cantar, mas também para ouvir. E o samba, como conheço, é agregador. É o gênero que mistura ricos e pobres numa escola de samba, que junta os amigos em feijoadas e rodas. Enfim, é alegria, não essa seriedade toda.

Anônimo disse...

E vamos definir de uma vez por todas: o Andreazza é sambista, sim. Claro que é, pô! É sambista e flamenguista.

C.A. disse...

Focca, o samba está a cada dia mais próximo das pessoas. Ele se transforma, afasta-se da matriz escola de samba - mas, como sempre, encontra novos fundos de quintais, novos Caciques de Ramos, onde se renova e para permanecer igual, na essência. Basta reparar na garotada, inclusive na Zona Sul, que toca, canta e escreve música, tendo os sambistas da antiga como referência - caminho saudável e natural para se tornar um.

Anônimo disse...

Foca, devemos convir que, atualmente, é muito mais fácil ser sambista que flamenguista. Mas como o nobre Andreazza nunca foi de se submeter a facilidades, continua sendo os dois.

C.A. disse...

Isto com certeza, meu caro amigo J.P.: mais que sambista, afinal, eu sou imperiano...

Anônimo disse...

Sobre as dificuldades de ser apaixonado por uma escola e por um clube de futebol, lembro-me perfeitamente do meu ano chave neste aspecto: 1995. No carnaval, a Portela perde por 0,5 ponto. No meio do ano, o Fluminense vence com gol de barriga. Inesquecível.

Anônimo disse...

E o que dizer de 2001, quando um amigo me convenceu de que, pela superstição, o tri da Imperatriz significaria o tri do Flamengo. E lá fui eu torcer para a chatíssima Rosa Magalhães, sonhando com a vitória rubro-negra, que de fato veio, chorada, na falta do Petkovic.

Anônimo disse...

JP, fiquei curioso para saber, então, como foi seu ano de 2005, com o título estadual do Flu acompanhado pelo quase rebaixamento da Portela.

Anônimo disse...

Neste ano, Andreazza, a sensação foi diferente. Eu trabalhei na avenida e vi toda o sofrimento da minha amada escola. Depois presenciei, também in loco, a apuração, sob um sol escaldante. Confesso que comemorei com alguns goles a permanência na elite do Carnaval. O título de 2005, perdeu um pouco a graça com as derrotas da Copa do Brasil e da Libertadores. Sem dúvida, prefiro 10 anos antes.

C.A. disse...

O meu melhor ano foi o de 1982, quando o Império ganhou o carnaval [pela última vez] e o Flamengo, o bi do brasileirão. Nunca me esquecerei! Eu tinha dois anos...

Anônimo disse...

Desculpe, amigo Foca. O depoimento acima foi direcionado a você. Força do hábito.

Anônimo disse...

O ano em que consegui unir o samba ao futebol foi 87. Flamengo campeão brasileiro (último título nacional do Zico) e Mangueira bi!

Anônimo disse...

João Paulo, esse carnaval de 1995 é aquele do "Gosto que me enrosco"? Pois, eu chorei com a passagem da Portela. Eu estava na avenida, o dia clareava, de repente a avenida ficou enfumaçada, com um cheiro gostoso e uma ala linda, toda vestida de carnaval antigo ( não sei o nome). Foi emocionante demais!

C.A. disse...

Olga, sim, este que foi o último grande desfile da Portela, vice-campeã com toda a injustiça do mundo, cantando um dos mais belos samba-enredos de sua gloriosa história: "Abram alas/Deixa a Portela passar/É voz que não se cala/É canto de alegria no ar"...

Anônimo disse...

Andreazza, tenho tão nítida em mim a lembrança daquela noite. Foi um desfile pra não esquecer. E eu não esquecerei. Nem desenhando daria pra explicar tamanha emoção. Soa piegas, sei, mas é verdade.

Anônimo disse...

Olga, só de você me perguntar, já me emocionei ao lembrar desse dia. Memorável desfile.

Anônimo disse...

Este samba é muito bonito mesmo. Eu tenho a gravação dele ao vivo na Sapucaí.